Tudo parecia tranquilo, intervalo de aula, até aquele convite
escancarado no meu e-mail: “Venha
conhecer-me em Lisboa! Sou o melhor
desmontador de literatura de todos os tempos.
Fernando P.” Inquietei-me
na hora. Como o “Fernando Pessoa”
me conheceu ? Eu nunca conseguir
conhecê-lo. São tantas e tantas
máscaras, capas para se chegar até ele.
Tanto tempo e ainda povoando minhas aulas e meus sonhos.
Não, aquilo era uma
loucura, Fernando Pessoa não poderia
ser, pois o português Fernando Pessoa
(1888 – 1935) foi o maior poeta de todos os tempos, ninguém até hoje
conseguiu imitá-lo. Fingi ser mais um
spam, desses que invadem a nossa caixa de mensagem, sorri da minha viagem e continuei a navegar...
_ Que lugar maravilhoso! Como
vim parar aqui? Quem é você? Espere estou lhe reconhecendo... Onde
estou?
_ Prazer, sou Fernando Pessoa! E você está no Oceanário de
Lisboa.
_Então estou em Portugal. Mas... mas você é Fernando
Pessoa mesmo ou o Álvaro de Campos?
Fernando deu uma gargalhada.
Preferiu não responder, deixou-me com aquela pulga atrás da orelha. De
repente, encontro-me percorrendo cada espaço daquele lindo
lugar com Fernando ao meu lado. Não sei o porquê, mas achei que ele estava
querendo me enganar. Naquele momento não
era ele quem falava, mas o Álvaro.
Principalmente quando perguntei sobre o que ele achava sobre uma carta
de amor. Como jovem, aquele assunto me
interessava. Com a resposta veio a
confirmação:
_ “ Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas
de amor se não fossem ridículas”.
_Ahhhh! Fernando
você pensa que me engana? Essa fala não é sua, mas de Álvaro de Campos.
_Garoto esperto. Mas quem é Álvaro senão eu mesmo? Ele é eu, mas eu não sou ele.
Tive que engoli em seco, pois entendia o que ele estava dizendo. Ele era um desmontador
literário nato. Ele criou o Álvaro, mas
ele não é o que ele criou. Senti que era
hora de tirar todas as minhas dúvidas, assim chegaria na sala com uma bagagem
pesada e aproveitei:
_ Quem é realmente o
FERNANDO PESSOA? A Bandeira de
Portugal?!
Com uma gargalhada
como se fosse a pergunta mais idiota do mundo, ele me responde:
_ Ora, Fernando sou
eu.
_Sim, mas quem é você?
_ Sou o que querem que eu seja. Gênio, intelectual para uns,
esquizofrênico para outros... Um grande
poeta português. Um sonhador, tradutor,
jornalista, crítico, empresário, inventor, publicitário, astrólogo, editor e...
_Chega! Parece que
você quer me humilhar com tantas profissões...
já sei, um criador de heterônimos!
Novamente Fernando Pessoa sorri e complementa
tranquilamente:
_ Eu ia dizer “um
fingidor”!
Entro em choque, ele estava me desmontando também, fazendo-me
um dos seus heterônimos. De
repente fico cara a cara com o maior
poeta do mundo e ele vem me dizer que é um grande fingidor. Um mentiroso?
_Fernando, você está me dizendo que a sua produção literária
é uma farsa?
_De maneira nenhuma, não repita essa bobagem nem em sonho. Digo que “ todo poeta é um fingidor”! Como o
poeta iria passar um sentimento para seu
leitor sem fazê-lo sentir o que
deseja que ele sinta? Todos nós escritores fingimos para convencer o
leitor? Você já escreveu alguma poesia?
Ou você está apenas na prosa para agradar a sua mestra? Se já escreveu sabe do
que estou falando.
Agora foi minha vez de sorrir. Como dizer ao grande poeta que
aqueles meus rabiscos eram poesias? Bem,
como foi ele mesmo que disse sobre o fingimento dos poetas... é só colocar em prática.
_Eu?! Que nada! Entrei aqui de gaiato.
Parece que não fui bem convincente...pois sorrimos juntos. E
seguimos caminhado por toda a extensão do Oceanário. Depois de algum tempo ele pega
o relógio antigo que tira do bolso, olha as horas, enquanto fico com
aquela vontade de exibir o meu smartphone com a biografia dele salva
à minha disposição. De vez em quando na nossa prosa, dava uma conferida
no meu aparelho se era ele mesmo, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro ou Ricardo Reis... que se pronunciava.
Com um
pedido de desculpas , Fernando se despede:
_Tenho que apressar-me, caso contrário perco o encontro que
marquei com Alberto Caeiro, lá na Torre de Belém..
_ Certo, foi um
prazer conhecê-lo em sua cidade,
Fernando Pessoa.
_ O prazer foi meu. Só não estendo mais o nosso passeio porque o Alberto é todo metódico,
certinho, não tolera atrasos... ele é tão perfeito
que eu luto para imitá-lo e não consigo, pois ele é inigualável. Ah, dê lembranças a sua professora! Gostei do
desmonte.
_Sei... Ei, espere um pouco! Alberto Caeiro não é você? Fernando ! Fernando!
Ele some de
vista. Aposto que estava sorrindo às
minhas custas.
***
De repente, meu aluno
Fernando Sales Poeta toca em meu ombro e diz
sorridente:
_E aí pró, a senhora
leu o meu texto sobre Fernando Pessoa que enviei por e-mail? Não me dê bronca, esqueci e abreviei o meu último nome... Será que agora aprendi fazer o desmonte?
Elisabeth Amorim/2015
Imagens da Web ( pontos turísticos de Portugal.)